Tuesday, February 7, 2012

  Surge a Convulsoterapia

Dr. Moacyr escreve sobre os primórdios da Convulsoterapia.  

Surge a Convulsoterapia

"Doutor Meduna!" chamou o paciente com um sorriso nos lábios. "Como você sabe o meu nome?",respondeu o médico. "Ah, eu ouvi tudo enquanto estava doente", respondeu ele. "Ouvi seus colegas dizendo que ia fazer algum tipo de experimento maluco. O senhor fez?" Meduna ficou silencioso pensando que "não podia mentir e era muito cedo para dizer a verdade." Era o ano de 1934.

O país era a Hungria. O referido paciente chamava-se Zoltan L., e havia estava em estupor catatônico por 4 anos. Não se movia, não falava, era alimentado por um tubo e precisava ser lavado e cuidado. Ele foi o primeiro na história da medicina moderna a se beneficiar do novo tratamento desenvolvido por Ladislas (ou Lazlo) Meduna, que consistia na injeção intramuscular de cânfora para induzir crises convulsivas. Poucas opções de tratamento estavam disponíveis nesta época.

 As idéias de Freud ainda estavam começando a se difundir e ser utilizadas para pacientes com neuroses. Os pacientes com psicoses (que incluíam a esquizofrenia) não tinham tratamento algum.
A chamada “sonoterapia” desenvolvida por Jacob Klaesi consistia em doses altas de barbitúricos que faziam com que os pacientes ficassem dormindo por um longo período de tempo e acalmavam agitações temporariamente, mas não tratavam os sintomas e as pessoas podiam ter pneumonias por ficar dias no leito e pela depressão da respiração que a medicação causava.
Outra opção era o coma insulínico, criado por Manfred Sakel, tratamento bastante desagradável que consistia em injetar insulina até que a pessoa entrasse em coma por hipoglicemia. Em seguida o coma era revertido com glicose oral. Apesar de ter algum efeito, era desagradável e a taxa de mortalidade alta. ​

Meduna era, acima de tudo um cientista. Depois de terminar a faculdade de medicina conseguiu um trabalho como neuropatologista. Era extremamente metódico. Passou 2 anos observando a glândula pineal em seu microscópio para descrever o seu desenvolvimento. Um dos seus maiores interesses era a “glia”, ou seja, as células que estão no sistema nervoso mas não são neurônios. Seu nome sugere o que se acreditava sobre a sua função: glia vem de “cola”.
Eram consideradas tecido de sustentação do sistema nervoso, com papel secundário ao dos neurônios. Atulamente a importância da glia cresce a cada dia. Sabe-se hoje, por exemplo,  que a glia produz a “mielina”, um tecido que envolve as extensões dos neurônios e garante uma condução nervosa rápida e eficaz.

Doenças devastadoras coma a esclerose múltipla consistem na perda da mielina. Estudando a glia de pacientes com esquizofrenia e de pacientes com epilepsia, Meduna viu um comportamento oposto entre as duas. Na esquizofrenia havia uma atrofia (diminuição) e na epilepsia havia um aumento (gliose) da glia. Seu raciocínio foi de uma oposição entre as doenças: “Talvez a convulsão possa tratar a esquizofrenia”. Depois de testar em animais, escolheu a cânfora como a melhor medicação para induzir uma convulsão e foi o que injetou em Zoltan.

A convulsoterapia revolucionou a psiquiatria. Pacientes como Zoltan, antes condenados a passar o resto de seus dias em um manicômio viam agora uma luz de esperança. A convulsoterapia elétrica, que ficou conhecida como eletrochoque, tão estigmatizada e incompreendida, foi apenas um desenvolvimento da idéia de Meduna.


Curiosamente, ao melhorar, Zoltan fugiu do hospital e foi para sua casa. Lá encontrou sua esposa com um amante. Depois de expulsar o amante e dar uma surra na esposa disse que ia voltar para o manicômio pois não queria viver num mundo louco em que estas coisas aconteciam... Pelo menos passou a ter uma escolha. Ao saber deste acontecimento, Meduna deu alta para Zoltan.

Direitos reservados